Escassez de sedativos prejudica entubação em hospitais particulares de Goiás

Hospitais particulares pediram sedativos emprestados para o governo estadual. No interior, pacientes chegam a acordar no meio do procedimento e arrancam “tubo”

A falta de medicamentos para manter pacientes com coronavírus entubados já é uma realidade em unidades de saúde de Goiás, no interior e na rede privada. Profissionais de saúde ouvidos pela reportagem relatam substituição por sedativos menos eficazes, economia nas doses aplicadas em cada paciente e situação limite, quando o estoque acaba e o hospital pega frascos das substâncias emprestado com cidades vizinhas. Em casos mais graves, paciente entubado chega a acordar e arranca o “tubo”. Hospitais privados de Goiânia pediram sedativos emprestados para o Governo do Estado.

Goiás vive o pior momento da pandemia da Covid-19, com recorde de óbitos e internação. Na última sexta-feira (19), chegou-se a ter 1.812 pacientes hospitalizados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) nas redes públicas e privadas de Goiás. O máximo na primeira onda foram 786. Na manhã desta segunda (22), 330 esperavam por uma vaga de UTI na rede estadual. Esse aumento da demanda multiplicou o uso de medicamentos para entubação. Além disso, a indústria d esse tipo de substância está saturada, não atendendo encomendas com a quantidade prevista e na data agendada.

O chamado “kit entubação” são os analgésicos, sedativos e bloqueadores musculares necessários para fazer a ventilação invasiva, que é quando uma espécie de “tubo” é inserido na traquéia do paciente. O procedimento é feito em pacientes graves com coronavírus que estão com baixa oxigenação e não melhoram com métodos menos invasivos. A escassez desses medicamentos para manter os pacientes inconscientes pode levar a sequelas, agravamento e até a morte. (Veja quadro).

“Paciente covid positivo tem uma certa resistência na sedação. Tem uns que depois que está entubado, acordam e arrancam o tubo”, relata um médico da linha de frente de uma cidade do interior, que pediu para não ser identificado. Na semana retrasada, médicos da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Inhumas fizeram uma carta aberta relatando dificuldade diária em conseguir estoques suficientes de sedativos e analgésicos. “Gerando angústia em toda a equipe (…) fazendo com que vivamos um cenário de pacientes acordando, extubando, fazendo arritmias cardíacas e assincronia ventilatória, aumentando a chance de óbito, além do desespero de não ter o que fazer”, descreve trecho do documento.

Um outro médico de outro município do interior, que também pediu para não ser identificado, conta que no último final de semana tiveram que diminuir para menos da metade a quantidade de sedativos por hora, de oito pacientes entubados, por falta de estoque suficiente de Midazolan e Fentanil. “Ao invés de 60 ml por hora (que da margem de segurança de sedação boa), diminuiu essa margem para 20 ml hora, para poder manter pacientes sedados final de semana inteiro, para segunda-feira tentar correr atrás desses medicamentos”, relata. Em outra cidade, onde o mesmo médico trabalha, tiveram que emprestar sedativos para o município vizinho, que estava prestes a ficar sem a substância.

A presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde de Goiás (Cosems-GO), Verônica Savatin, conta que as cidades têm trabalhado com o estoque de sedativos no limite, mas que não chegou a faltar. “O risco é de não conseguir prestar esse atendimento para o paciente. Não ter como entubar. Não foi o que aconteceu (em Goiás), mas sabemos que em alguns Estados chegaram a entubar paciente amarrado, porque não tinha medicamento”, relata. O Cosems-GO está finalizando um levantamento do estoque de insumos por município. O objetivo é tentar articular com as distribuidoras a entrega dos insumos, através da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás(SES-GO). Na semana retrasada, alguns municípios que estavam com o estoque muito baixo, receberam alguns medicamentos que vieram do Ministério da Saúde (MS), via SES-GO. Verônica pontua que essa quantidade enviada pelo MS é baixa.

Não é a primeira vez que há escassez de “kit entubação” durante a pandemia em Goiás e no Brasil. Em junho de 2020 houve falta de medicamentos para entubação de última geração e médicos tinham que entubar com substâncias de 2ª e 3ª linha.